quarta-feira, 27 de julho de 2011

QUEM LEVA GEMIDOS

Quem leva gemidos aos ventos já gordos
de memórias?
Quem dilacera carnes virgens
dos pecados que nenhum Cristo
apagou?
Quem desengoma a velha roupa senhorial
e a camufla em afagos?
Quem engorda o vento
de gemidos de eitos?
Restaurante Menino de Ouro, 03/04/81

Estou parado no espelho
dos meus olhos:
milagrosos momentos
de fitar-me

Quem diria!

o rictus do meu coração
esticadas cordas do pensamento
nos olhos rituais de minha perplexidade
um tri-espanto de ser
soma de
branco-indio-negro

Quem enxerga minha imagem
de perguntas?

Restaurante Menino de Ouro, 23/03/81

SOMBRA NO FRIO

Sombra assustada ante o brilho
da manhã
quem te persegue com melodias
de vento
Quem te enrosca em bondades
que teu grito se intimida
e se recolhe no riso gasto
Quem enovela de
de artimanhas tua dor
um espelho
de mágicas alegrias,
sombra assustada?


MINHA SOMBRA SONHA
Qual sonho sonha minha sombra?
muita luz não será
se a cor parda se revela
como um rubor de face pálida,


Muita noite será?
se nela os gatos se confundem
sob a claridade lunar?

Qual sonho sonha
minha sombra?


ALDEIAS E TABAS

Alguém poderá suspirar
que a solidão seja
vodka com limão
e também a alegria de sonhar
com o povo nas ruas
O homem comendo músicaburger
acha que o vazio do amor
seja o vazio apenas
de o futuro ser fênix
em cada esquina
sempre.
(saudades de algo não feito
que se enraíza como faca
no corpo)

Saudades de estrelas
que desapareceram
como fogo-fátuo
da memória
e aldeias e tabas.


SIESTA
No grande momento
onde vida e morte
se olham
o corpo é apenas artefato
do etéreo
e do efêmero
-o próprio-

Nesse momento
respira-se
cantos e facas
tempos de savanas
verdes

livres leves
de armas


CARRO DO ÊXITO
Meu terno
não me livra do teu olhar
soldado
em minha pele
Nem o brilho do carro
que dirijo em minha vida
me desliga
de tuas sirenes

Nem a educação branca me livra
do atrito da pele
do meu rosto
gravado em tua retina

E me impões um lugar
onde o batuque do meu andar
não seja música nostálgica
de identidade...

E me impões
um lugar
de onde eu só enxergue
a sola
de tua prepotência
endurecendo minha voz
carregada
de nãos
para a tua brancura
em minha cabeça

E me impões
um lugar
de onde matando os ratos
eu fique
a sorrir para tua bondade
cristã
que te salva do teu medo
do inferno dos meus passos


É
me impões um lugar
de onde engordo no sono
de teus olhos
um rastilho de pólvora
de meus sonhos livres.


NUM DOMINGO
Assim à tarde:
noite
em seus olhos.


Azulada de verde
a incógnita promessa
de um sol
de prazer

À tarde
um suspiro de lua-cheia
risca o céu
- jato de fogo
em meu olhar.



INVERNO DAS PALAVRAS

Gelo em meu peito
um grito de dor
Petrifico esse grito
de sangue
sibilino no seu fluir
de rio perene
camuflado em minha
alma branca

E tal é seu gelo
que minhas palavras tensas
ficarão
adormecidas
como bombas-relógio
à espera de um novo dia
que se avizinha no gueto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Negrafias 02 Literatura e Identidade

Negrafias 02 Literatura e Identidade
Antologia de poetas negros